03/05/2008

Rua da Cale

Fundão, Rua da Cale.
Rua estreita, de casas velhinhas, lojas pequenas, que começa perto do Largo da Igreja e acaba no Largo das 8 Bicas.
Numa pequeníssima lojinha, encontrei as linhas de boa qualidade, que procurava para fazer uma renda especial.
Uma mercearia à moda antiga, vende os biscoitos tradicionais do Fundão, embalados como as regras modernas exigem, mas tenros e com o sabor dos tempos em que era criança.
Na loja dos tecidos a metro, ainda aceitam dar uma afinação à máquina de costura Singer, oferta da avó Helena e que continua muito útil, 30 anos depois.
Lá ao cimo, na loja de móveis, vê-se a mesma arrumação de há 50 anos, onde peças antigas em 2ª mão, verdadeiras raridades que eu adoro, permanecem encavalitadas, aproveitando todos os centímetros de espaço existente tanto em largura, como em altura. São arranha-céus de cómodas, mesinhas, cadeiras e bancos.
A taberna de portas gémeas de empurrar, banco corrido encostado a uma das paredes, balcão de madeira escura e pouca luz, onde continuam a servir as sardinhas em molho de escabeche, os quadradinhos de bacalhau frito e os peixinhos da horta (feijão verde frito com polme de ovo) para acompanhar o "copito", que aguça a conversa no fim da tarde, é o ambiente preferido dos que não gostam de beber "finos" e comer tremoços salgados na esplanada, nem de falar de política.
O fotógrafo deixou a sua arte aos filhos, que ainda expoêm na velha montra, as fotografias de casórios e primeiras comunhões, em poses solenes.
Havia ali uma mercearia de enchidos e queijos da serra, em que o proprietário era tratado por "Fala-Barato". Hoje, em vez dos aromas do presunto e do salpicão acompanhados com conversa amistosa, sobressaem t-shirts com desenhos de banda desenhada americana, em tons escuros e fluorescentes.
Na Rua da Cale as pessoas caminham devagar, de braço dado, olham as pequenas montras com atenção, cumprimentam os comerciantes a quem perguntam por um qualquer familiar doente e escolhem, experimentam ou trocam o que finalmente se decidiram comprar, porque não combina com o que têm em casa.
É um restinho do Fundão antigo, onde não há promoções e filas para a caixa, onde não há parque de estacionamento, nem se paga com cartão, onde as pessoas se conhecem, se falam, se desejam boas melhoras ou boa saúde.
As grandes superfícies, as lojas irmãs de tantas dezenas por esse país fora, os carrinhos de meter a moeda e os sacos com publicidade, estão no outro lado do Fundão. No bairro da indiferença e do dinheiro de plástico, dos excessos e do desnecessário, das utilidades e das futilidades.
Na Rua da Cale os passeios são estreitos, como estreita é a própria rua, as casas são pequenas tal como os lucros dos seus proprietários, o movimento é lento, dando tempo para uma troca de palavras, mas o ambiente é familiar e o sorriso franco.

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