25/12/2009

Sem Natal

O Natal é a mais violenta festa da Paz!
É triste para quem está só, para quem está doente, para quem cumpre pena numa prisão.
É dor para quem nada recebe dos outros e para quem não tem nada para oferecer ou ninguém a quem o fazer.
É saudade para quem está longe dos familiares ou para quem os perdeu.
É sofrimento para os que procuram emprego, para os que o perderam.
Para os que não têm casa.
Para todos os que não têm esperança.
É a Quadra de quem tem dinheiro, família, casa, emprego, saúde e alegria.
É a festa de quem é feliz.
Para muita, muita gente, o Natal é um período que desejam passar a correr, esquecer, não viver.

17/12/2009

Estrelas no céu escuro.

Uma família amiga dos meus pais viu a sua casa arder e desaparecer no incêndio, todo o seu recheio.
Tal como nós, era um casal com 3 filhos, 2 rapazes e uma rapariga.
Foram viver para nossa casa, enquanto resolveram o problema.
Eu passava o tempo com o filho mais novo, talvez porque a filha era a mais velha dos irmãos e muito senhoril para o meu feitio.
Todos os dias, à noite, depois do jantar, nos sentávamos na janela da sala e olhávamos o céu e as estrelas.
Fazíamos cálculos da distância a que estariam, do seu tamanho, dos estragos que fariam na nossa casa, se caíssem, da proximidade umas das outras, dos seus nomes, de onde teriam vindo, se morreriam, etc.
Nunca tivemos quem nos ensinasse alguma coisa sobre elas, talvez porque éramos apenas crianças, sentadas na janela, a cogitar sobre a imensidão do Universo. Também não tinhamos livros ou internet. Apenas a nossa intuição e sensibilidade nos prendiam a abservar aquele céu profundo com mil pontos brilhantes, que nos atraía e intrigava.
Um dia, a casa do Jorge ficou pronta e ele mudou-se com a sua família.
Eu voltei à janela, onde me sentei como me sentava, espreitei pela grade que fazia varandim, como espreitava, mas nessa noite não se viam as estrelas.
Esperei e olhei atentamente. Pareciam véus negros que se arrastavam frente a uma Lua que se escondia e aparecia como se brincasse comigo.
Convenci-me que as estrelas se tinham mudado com o meu companheiro de serão e achei injusto.
Desisti cedo demais. Se tivesse insistido, tinha visto que a Natureza também tem os seus momentos de tristeza, momentos em que prescinde do seu brilho para ficar aninhada, incógnita, numa noite de nuvens.

Sonhar

Nunca sonhei viver numa cidade grande, mas desejei viver numa rua no centro, sair para tomar um café ou ir ver as montras, sem ter de ir de carro.
Nunca sonhei fazer grandes viagens, conhecer mundos distantes, praias paradisíacas com palmeiras à beira da água de cristal e copos com bebidas coloridas e adornos tropicais, desertos a perder de vista com camelos dolentes, monumentos com história na História do Mundo, mas desejei poder falar com as pessoas que habitam as aldeias, conhecer os seus costumes, provar as suas ementas, meter-me na sua pele, para depois escrever sobre elas.
Nunca sonhei com vestidos caros, com restaurantes sofisticados, com uma companhia masculina de arrasar, mas desejei passear à beira mar de mãos dadas com alguém que sentisse o mesmo que eu, que gostasse das mesmas coisas, que me inspirasse e para quem eu fosse inspiração.
Continuo a desejar visitar Paris, pelo seu romantismo, a Grécia pela sua história e Itália pela sua língua (que parvoíce, dirão).
Sonho com o livro para o qual escolha a capa...
Os meus sonhos continuam por realizar, enquanto a minha vida se esgota em obrigações e hesitações.
Talvez os meus sonhos sejam ousados para as minhas capacidades.
Continuam apenas a ser sonhos.

16/12/2009

Está a nevar!

Está a nevar nas terras altas da Beira.
Aqui está frio, chove e adivinha-se a neve lá longe, na Serra da Estrela.
Aquele frio, a que eu estava habituada na minha adolescência, agora sabe-me bem, talvez pela saudade que tenho da minha juventude e da minha terra.
O casaco comprido, as luvas, o cachecol, eram peças de vestuário obrigatórias para se sair à rua.
Em casa, a braseira era um elemento indispensável. A mesa redonda, com cobertura de fazenda de lã, escondia a braseira eléctrica que aconchegava a família à chegada da rua.
As crianças faziam os trabalhos à volta da mesa.
As refeições eram tomadas ali também.
As camisolas interiores, as malhas de pura lã, o cachecol de angorá, ajudavam ao passieo na rua, sem o desconforto do frio que chegava aos ossos.
Na quinta, gelava a água no tanque e brilhavam os pingentes de gelo nos braços das árvores sem folhas.
Todas as manhãs, a caminho das aulas, viamos os campos brancos de geada e as fogueiras que os agricultores faziam, para ir aquecendo os dedos, que gelavam ao apanhar a azeitona das oliveiras perfiladas.
O pior era a escola... não havia aquecimento, nem que o pátio estivesse coberto de neve.
Não havia casacões de plumas, nem kispos impermeáveis.
Mesmo assim, estudava-se e vencia-se sem que alguém desse por isso.

07/11/2009

Spicegirls de antigamente!

Volto a viajar para o país das minhas recordações tão distantes e tão acarinhadas pelas saudades.
Quando frequentava o Colégio, nos primeiros anos do liceu, tinha "o meu grupo", como todas as miúdas da época.
Trocávamos os nossos segredos mais íntimos, os sonhos, os medos, as alegrias e os desgostos religiosamente. Sabíamos tudo umas das outras.
Tínhamos os mesmos gostos, vestíamos da mesma maneira, usávamos o mesmo penteado, coleccionávamos as fotos dos mesmos artistas.
Nesse ano, estava no top a música dos Rolling Stones, que nós ouvíamos vezes sem conta e sabíamos de cor e salteado.
Sem tocarmos qualquer instrumento, nem sabermos cantar nada de especial, lembrámo-nos de fazer um grupo rock como o dos nossos ídolos.
Éramos meia dúzia de miúdas duma pequena cidade do interior, onde só uma ou outra mais felizarda tinha gira-discos e uns quantos singles, que recebia no dia do aniversário, mas todas com sonhos do tamanho da Serra da Estrela, nossa vizinha.
Juntávamo-nos para ensaiar. A fama era de estudar, mas...
A Lindinha, uma das minhas amigas, vivia no 1º andar do edifício onde os pais trabalhavam - os Correios. Era ali que nos juntávamos a maioria das vezes, por ser perto do Colégio e porque os pais dela nunca estavam em casa.
Então esfalfávamo-nos a cantar o "Satisfation". Ensaiávamos para termos a nossa banda, sentadas na cama da Lindinha, sem sabermos uma nota de música.
A mãe dela, volta e meia deixava o serviço e vinha mandar-nos calar, nervosa e contrariada com o que lhe calhava na rifa!Um dia lembrámo-nos de escrever a alguém importante para nos financiar os instrumentos (3 violas e uma bateria, como era habitual) e finalmente podermos apresentar ao público o nosso talento.
E já que era para ser a alguém importante, de quem nos fomos lembrar? Nada mais, nada menos do que do 1º ministro de Portugal, o Sr Presidente do Conselho de Ministros, o Sr. Professor António de Oliveira Salazar. Nessa altura ele ainda não tinha caído da cadeira e nós eramos novas demais para sabermos da sua importância. Era o presidente e como tal o mais indicado para nos mandar uns trocos para fundarmos o nosso grupo musical...
Que grande desilusão, quando recebemos a resposta do gabinete do Presidente do Conselho de Ministros, informando-nos que não havia verba para aqule fim!
Não havia verba... ora sim, não queriam dar-nos uma ajuda para mostrarmos o nosso grande talento, era o que era.
Quem ficou mais aliviada foi a mãe da Lindinha, que até estranhou o silêncio e se perguntou da razão de andarmos tão cabisbaixas!
Ainda hoje me rio com estas recordações.

06/06/2009

Cerejas e política


No Fundão só ouço falar em cerejas e política.
Cerejas que pouco resistem ao tempo. Política que muda como a Lua.
É agora o tempo delas - das cerejas e da política.
Adoro cerejas. Pena que surjam e acabem na Primavera. Efémeras quanto doces, frágeis quanto irresistíveis.
São o pote de moedas de ouro das aldeias da encosta da Gardunha, os rubis entre folhas de esmeraldas, da Serra com coração de granito, cor de prata.
A floração enche a Gardunha de alegria, de esperança na riqueza que vem a caminho.
Depois é a euforia. As cerejas são expostas em out-doors com fotos sugestivas.São alegremente oferecidas na beira das estradas, como pingos de sangue no colo das mulheres, que todo o ano trabalham na agricultura, sob o sol escaldante do Verão e o ar gelado do Inverno.
Sorriem em caixas ordenadas à porta das mercearias.
Encantam os inúmeros turistas que chegam em autocarros e as procuram com entusiasmo.
Dão nome a arraiais, feiras e festas populares durante todo o mês de Junho.
Quanto à política... falam os que esperam vencer eleições. No entanto, cada vez mais as pessoas se mostram incrédulas, se insurgem contra o espectáculo da caça aos votos, se afastam de discuções e esclarecimentos.
Não conhecem e não querem conhecer nem os candidatos, nem os programas.

Assim vai o meu Fundão, vencendo a terra e os seus frutos, às ideologias e suas promessas.





01/05/2009

Piguy

Piguy era uma cadela muito amorosa, que estava com os meus sobrinhos há alguns anos e era muito estimada por eles, como é usual entre animais e crianças que crescem juntos.
Orelhas muito compridas, que mergulhavam na tigela da água, pêlo castanho dourado muito macio e olhos indiferentes com os desconhecidos, mas meigos com os da casa, era uma "menina" ou antes "uma senhora" cheia de classe.
Nesse Verão, o meu irmão tinha as férias marcadas, quando a Piguy deu à luz uma ninhada. Como não podiam ter mais cães em casa, a pouco e pouco foram dando os cachorrinhos. Praticamente nas vésperas de irem de férias, foi o último entregue oa novo dono.
Como a cadelinha não podia acompanhá-los, pediram à avó, que frequentava diariamente a casa, que olhasse por ela durante aqueles dias.
Um dia, andava eu na minha labuta, recebi um telefonema aflito da avó. A Piguy chorava dia e noite.
A ausência dos meus sobrinhos, a falta dos seus cachorrinhos e a solidão da casa faziam sangrar o seu coração. O pior é que os seus gemidos incomodavam os hóspedes do Hotel mais próximo, que, indiferentes à sua dor, fizeram chegar os protestos ao gerente.
Fui buscar a cadelinha para a quinta, mas estava temerosa com a reacção dos meus cães Serra da Estrela. O Snoopy era ainda cachorro e por isso, muito brincalhão e ciumento.
Ficou fechada no primeiro dia e quem não descansou... fui eu.
No 2º dia trouxe-a para o jardim e sentei-me num canteiro, conversei com ela e mostrei-a ao Snoopy para que se conhecessem e ele visse que ela era da casa.
Ela sentou-se ao meu lado e chorou.
Eu ia falando: - Então Piguy, estás triste? Não tens os teus cachorrinhos...
Ela chorava como uma criança, baixinho e de olhos no chão.
Eu continuava: - O Pedro não está cá, nem a Bagui, nem a Bebé...
Ele gemia e soluçava, como uma pessoa, quietinha a meu lado.
-Mas eles não te abandonaram. Foram de férias e voltam daqui a uma semana. Estou cá eu para tomar conta de ti. Tenho a certeza que nos vamos dar bem e que vais adorar a quinta.
Ela chorava baixinho e não olhava para o cão enorme que se colocara a seu lado.
Eu ia falando e acabei por chorar também. A Piguy estava a sofrer como uma mãe qualquer que perdera os filhos e a sua família.
Daí em diante fui passeando com ela enquanto fazia algumas tarefas na quinta, como ir buscar alguma verdura para os coelhos, os patos, as galinhas, regar o jardim, lavar a varanda e as escadas exteriores, dar uma vista de olhos nas uvas da latada, nas maçãs ainda no pomar.
A cadelhinha seguia-me para todo o lado e não deixava aproximar o Snoopy, rosnando-lhe com ar ameaçador. Eu ria-me, pois ela era pouco maior que uma pata dele.
Como os meus cães não entravam em casa, habituei a Piguy da mesma forma.
Fechava o portão ao fundo das escadas para os outros cães não entrarem, pois eles também gostavam de ficar deitados na varanda e ensinei-a a dormir no tapete, junto da porta.
Estava muito calor e a varanda era o sítio mais confortável da casa. Eu fazia-lhe companhia até tarde, aproveitando o fresco da noite.
Quando entrava, para ir buscar um bolo ou um refresco, ensinei-a a esperar à porta e ela obedecia com ar conformado.
Conversava com ela e ela entendia-me. No 4º ou 5º dia já não havia lágrimas, mas risos e brincadeiras. Ela era muito inteligente e eu adorava fazer testes à sua compreensão.
Os dias passaram num piscar de olhos.
O meu irmão veio buscá-la, mal chegou ao Fundão.
Encontrou-nos no jardim e subimos a escada juntos. Quando entrámos em casa, a Piguy ficou à porta, no seu tapete, mas de cabeça erguida e curiosa.
O Tonô, que estava habituado a que ela o seguisse, olhou para trás e viu-a no tapete. Eu não disse nada. Ele comentou: - Oh! Estás muito bem educada!
Esperei que ele me pedisse para ficar com ela, não sei porquê.
Depois, fui eu a sugerir essa possibilidade. O meu irmão riu-se.
Quando descemos a escada, o Tonô entrou no carro e a Piguy ficou a meu lado.
Ele teve de chamá-la duas vezes até ela entrar.
Tive a certeza, então, de que lhe custava tanto a separação como a mim.
Subi a escada com o coração apertado e as lágrimas nos olhos.

13/04/2009

Lágrima de preta

Encontrei uma preta
que estava a chorar,
pedi-lhe uma lágrima
para a analisar.

Recolhi a lágrima
com todo o cuidado
num tubo de ensaio
bem esterilizado.

Olhei-a de um lado,
do outro e de frente:
tinha um ar de gota
muito transparente.

Mandei vir os ácidos,
as bases e os sais,
as drogas usadas
em casos que tais.

Ensaiei a frio,
experimentei ao lume,
de todas as vezes
deu-me o que é costume:

Nem sinais de negro,
nem vestígios de ódio.
Água (quase tudo)
e cloreto de sódio.


António Gedeão

21/03/2009

Cova da Beira, Março em flor

Em Fevereiro a Serra expunha orgulhosa o seu manto de neve e apesar do frio gelar os ossos mal saíamos de casa, muitos turistas vieram aproveitar o Carnaval e fazer ski, dando uma vida efervescente à quietude da paisagem.
De um momento para o outro, o Sol transformou as encostas e deu-lhe um brilho diferente.
As cerejeiras estão em flor e a Gardunha está vestida de noiva. Continua branca, mas com ar mais sorridente.
A mutação das cores da minha terra é um espectáculo que sempre me impressiona.
Do branco imaculado da neve, no Inverno, depressa passa ao rosado das cerejeiras, macieiras e pereiras em flor, ao rosa forte das ameixeiras e ao rubro de fogo e amarelo alaranjado dos espinheiros.
Nos quintais das casas antigas, cameleiras sem idade brindam-nos, radiosas, com múltiplos arco-íris das suas camélias.
Nos arredores as pequenas flores do campo bordam tapetes nos chãos por lavrar.
A Cova da Beira está em festa, para dar as boas vindas à Primavera.
À tristeza de ver os campos agrícolas de 1ª qualidade abandonados às silvas e às ervas daninhas, contrapõe-se este deslumbramento de verde, salpicado de cores garridas, que o calor do Sol espalhou por todo o lado.
Nestes tempos, em que só ouvimos falar de crise, empanturram-se os nossos olhos de beleza e os nossos pulmões de ar perfumado, sem necessidade de regatear.
As forças renovam-se e como a Natureza, estamos prontos a florescer em entusiasmo e criatividade.

20/03/2009

Na quinta

Como eram conhecidos todos os ruídos e silêncios dos dias passados na quinta.
Muito cedo o galo experimentava o seu despertar de forma aguda e senhorial. Antes dele, no entanto, já mil passaritos chilreavam na nogueira do jardim, esperando que os pais lhes enchessem a barriga.
Com a chegada dos trabalhadores, a manhã enchia-se de vozes e de novos sons - portões, motores, alfaias que cantarolavam nos toques do ferro.
Faziam ruído na pedra miúda os passos caminho abaixo e vinha o silêncio de novo.
Na cozinha, a cafeteira que faria o café, as portas que se abriam e a água a correr em som de cristais tilintando suavemente.
Se chegava alguém, se ao longe cantavam, se caía uma maçã ao toro da macieira mãe, tudo se ouvia na quietude do campo.
No jardim alguém regava e o cheiro da terra era macio e fresco.
O cão Serra da Estrela dava um ar da sua graça de vez em quando, mostrando estar atento e lembrando a primeira refeição do dia.
Todo o dia os sons se iam repetindo e por isso eram tão familiares.
E se de madrugada os passarinhos eram os primeiros a dar a alvorada, à tardinha, depois de grande algazarra a aconchegar nos ninhos, ficavam quietinhos, quietinhos, dando ao entardecer uma calma que anunciava a noite.
As luzes, ao longe, brilhavam e só elas lembravam que outras pessoas viviam na Terra.
A ligeira aragem da noite, trazia o perfume das rosas abertas em ramalhetes no jardim e na varanda o repouso de um dia atarefado era a oração de agradecimento pela fartura e pela paz.
Em conversa amena, a contar de histórias recentes ou antigas, quase sempre com exageros e risadas, ou em dormitar meio alerta, as horas passavam depressa.
Estávamos todos, não havia temor nem saudade.

17/03/2009

A Beira e a sua música.

Oh Castelo Branco, Castelo Branco
Mirando o cimo da serra
Ai, mirando o cimo da serra!

Ai. quem nasceu lá em Castelo Branco,
Nao é feliz noutra terra
Ai, mirando o cimo da serra...

Eu nasci na beira, sou homem pequeno
sou como o granito bem rijo e moreno!
Eu nasci na beira, sou homem pequeno
sou como o granito bem rijo e moreno!

la la la la laaaa laaaa
la la la la laaaa laaaa
la la la la la laaaa
la la la laaa

Meu bem quem me dera, lá nos altos montes,
andar ao sol todo o dia
Ai, andar ao sol todo o dia...
Beber água fresca lá pelas fontes
Cantar como a cotovia
Ai, andar ao sol todo o dia

Coraçao da serra nao ama a cidade
Só na sua terra se sente à vontade
Eu nasci na beira, sou homem pequeno
Sou como o granito, bem rijo e moreno

la la la la laaala la la la laaaa
la la la laaa
la la la la laaaa


Se quiserem ouvir a música podem visitar este site http://www.jf-castelobranco.pt/turismo_lazer/default.asp?op=14

(In blog Mente Flutuante)

05/03/2009

Cartas de Amor




Também recebi cartas de amor. Quem diria?


Recebi cartas de amor de todas as maneiras e feitios.


Quando um rapaz gostava de uma rapariga, não tinha forma de lhe mandar um sms ou um email.


O telefone estava na sala para uso de toda a família, por isso os miúdos não se arriscavam a ligar para a amada e responder de lá o pai.

Mesmo assim, já muitos se aventuravam a ligar (e o contrário também é verdadeiro). Se atendesse o pai ou a mãe, perguntavam pela menina e diziam que era um amigo. Geralmente só faziam isto se soubessem que os pais não eram de se zangar.

Eram as cartas que levavam os sentimentos às amadas. Cartas escritas cuidadosamente, passadas a limpo vezes sem conta e cada palavra escolhida para impressionar.

É que essas cartas teriam de demonstrar o melhor possível o que os autores sentiam, sob pena de não virem a obter resposta.

Quando não gostávamos dos autores das declarações, tudo servia para fazermos troça, para ridicularizarmos o acto e o autor, para rirmos dias a fio.

Se o desgraçado usava alguma palavra mais elaborada, em vez desta servir para conquistar, era a sua sentença de morte.

Aconteceram muitas destas, comigo. Aliás, parecia que atraía aqueles que eu menos gostava! Os que me faziam suspirar, nunca me escreviam cartas de amor.

Havia um "Romeu" que passava dias inteiros à porta do café em frente da minha casa, a olhar para a minha janela. Como é que eu sabia, não é? Pois, eu ia para a janela...

Toda a gente sabia que ele morria por mim, mas ele não tinha coragem para confessar os sentimentos que o levavam a fazer sentinela na porta do café, fizesse frio ou calor, fosse de dia ou de noite. (Ele estudava no mesmo colégio que eu e não faltava às aulas, claro, pois eu também lá estaria). Um dia, passadas várias estações do ano, amigos comuns fizeram de correio e trouxeram-me uma carta do Romeu da porta do café.

No intervalo das aulas abri a carta, que me estava a intrigar de tão magrinha que vinha.

Era um simples cartão de visita com meia dúzia de palavras de amor escritas em letra miudinha.

Eu não queria acreditar! Um cartão de visita?

Quando começou a cena da troça e da risada, um deles veio em sua defesa, dizendo:

"Mas quem é que entende as mulheres? Ele mandou fazer os cartões e estava tão orgulhoso... agora vocês põem-se com essas coisas! Ele estragou uma série de cartões e tudo!"

Outra vez, o meu irmão fez de correio e trouxe-me uma carta de um amigo dele. Como eu já sabia de quem era, avisei as minhas amigas e fomos juntas lê-la.

Era muito elaborada, cheia de palavras caras e letra rebuscada. Ríamos como loucas de cada vez que ele falava num tal "laço férreo", que nós transformávamos em "laço de ferro".

No fim de todas as juras e promessas ele pedia: "Espero que esta carta fique só entre nós"

Ainda uma terceira. Não me lembro quem ma entregou, nem se eu já notara no arrastar da asa daquele pinga-amor. Sei que a carta vinha muito bem dobradinha, com várias dobras de canto, a fazer feitios, a letra muito pequenina e certinha, como se fosse de uma criança da primária, papel colorido e perfumado.

Parecia que nada haveria a apontar, embora aquelas miudezas todas me tivessem logo irritado.

Quando comecei a ler, lá estava a causa da risota.

Eu lia alto: " O meu coracao, bate tao forte quando te ve, que a respiracao para e a palpitacao faz saltar o peito". Meu Deus! Ao "passar a limpo" o rascunho, que deve ter feito dezenas de vezes, esquecera todas as cedilhas e toda a acentuação.

Durante imenso tempo rimos ao lembrar a "palpitacao do meu coracao".

Bom, só resta dizer que se estes erros viessem daquele que era especial para nós... até achávamos giro! Até seria romântico!

Adolescente é mesmo um caso sério.



25/01/2009

A neve.

Quando cheguei perto de Alpedrinha, começou a nevar.
Os farrapinhos, brancos e muito leves, dançavam em frente da luz dos faróis e colavam-se no pára-brisas. Dentro do carro estava quente e o rádio transmitia uma música que me fazia companhia e me ajudava a percorrer os últimos quilómetros. Imaginava o frio lá fora.

Lembrei-me então dum fim-de-semana em que os meus cunhados, com o filho Rui, ainda recém-nascido, foram connosco ao Fundão. Quando chegámos estava muito frio e o céu era cinza claro.
A lareira estava acesa desde manhã cedo, a primeira coisa que se fazia na casa dos meus pais, mas apesar do calor na sala, notava-se logo a baixa temperatura nas outras divisões da casa. Arrefecera de repente e doíam-me os ossos da cara de cada vez que ia à varanda buscar lenha para a lareira. Quando nos deitámos, a minha mãe foi aquecer-nos os lençóis com uma braseira, pois de tanto frio, pareciam molhados.
O Rui, coitadito, chorava e não dormia. A minha mãe lembrou-se que ele tinha frio, tirou-o da cama, abriu a arca dos cobertores, dobrou em 4 um cobertor muito fofinho e deitou-o no meio, como se metesse uma carta no envelope. Com a arca aberta, no meio dos cobertores de lã, o Rui sossegou e dormiu toda a noite, muito quietinho.
Pela manhã, quando me levantei para ajudar a preparar o pequeno-almoço, olhei pela janela e não contive uma exclamação de surpresa.
Toda a quinta estava coberta de neve. A paisagem a perder de vista era de um branco imaculado. As árvores quase quebravam os ramos com o peso e até os fios da electricidade arqueavam com a carga a que não estavam habituados. Nem uma pegada modificava o tapete que a natureza estendera pelo campo.
Chamei o meu marido e os meus irmãos. Daí a pouco toda a casa estava em alvoroço.
O meu pai avisou que ia tentar chegar ao Fundão para trazer pão fresco.
Saíram todos atrás dele para tirarem fotografias.
Qual não é o meu espanto, quando vejo o pobrezinho do Rui, com pouco mais de um mês de idade, ser colocado num monte de neve para ser fotografado.
E não foi a única foto deste género. Logo que o meu pai voltou e disse ter conseguido transitar no Fundão, quiseram ir e fazer novas fotografias. Mesmo com os meus protestos, o Rui foi deitado numa das escadas do Pelourinho e de novo registada a cena para o futuro!
A neve era sempre uma festa, mesmo para nós que estávamos mais habituados. Os meus cunhados nunca a tinham visto e ficaram entusiasmados.
O Rui sobreviveu.
Com estes pensamentos cheguei ao Fundão.
Toda a noite caiu uma neve fraquinha que apenas deixou um pequeno tapete nos jardins e os passeios muito escorregadios.

24/01/2009

A surpresa

De Castelo Branco a caminho do Fundão, a auto-estrada faz-se rápido e pouco oferece aos olhos de quem viaja sózinho na noite sem luar.
Depois de atravessar o Túnel da Gardunha tudo muda.
O que antes era um vale escuro, apenas com a Covilhã iluminada no sopé da Serra da Estrela, meia dúzia de luzes mais à frente indicando o Tortozendo e depois o Fundão aconchegado na Cova da Beira, agora é um mar de luzes, um presépio montado em todo o vale.
Deus encheu as mãos de luzes e espalhou-as pela Cova da Beira, como lavrador deita o adubo à terra, nas searas acabadas de semear.
Apetece parar e ficar a apreciar aquele momento, em que a nossa terra é protegida pelas duas montanhas e dorme num leito cheio de brilho, como num conto de fadas.

Inverno

Os dias estão maiores!
"Pelo Natal, um pulinho de pardal
Em Janeiro, uma hora por inteiro".
Também estão mais invernosos, mais cinzentos, mais ventosos, mais soturnos.
Mas sabemos que em breve as folhinhas começarão a aparecer tímidas e cautelosas, nos olhos das ramadas, da terra húmida e vazia brotarão orelhitas verdes de plantas, que acordam do descanso habitual no final de cada Verão luxuriante e voltará a Primavera.
Na renovação da natureza, se renova a nossa esperança.
E ao que hoje nos parece tão difícil, a luz do Sol dará outro sentido. As cores ficarão mais vivas e os horizontes mais claros, mais luminosos.
O Inverno faz falta. É um período de repouso, de reflexão, de encorajamento. Sem as agruras dos seus dias chuvosos e gelados, não apreciaríamos o ar morno das tardes soalheiras, o colorido dos campos em flor, o verde viçoso da folhagem renascida da seiva adormecida.
Adoro o Inverno, porque me traz lembranças da minha terra, da minha infância, dos campos brancos de geadas matinais, do calor da lareira com troncos incandescentes e crepitantes, bom de sentir, de cheirar e de ver, do calor que espevita os sentidos, do recolhimento dos campos em que as árvores se despem e os terrenos se cobrem de musgos fofos e de tons fortes e repousantes.
Talvez eu aprecie o Inverno porque sei que é breve e logo dará lugar à época em a Natureza mais brilha. Mas a Serra da Estrela coberta de alvo manto, ou a da Gardunha castanha rosada, nas mil árvores despidas do verde da folhagem, são cenários conhecidos que me tranportam para o que eu sou, para o que amo, para o que eu sempre fui e me fazem esquecer a dureza com que me julgam e me tratam tantas vezes.
Neste dia de Inverno, chegam-me à memória lembranças, como andorinhas na Primavera, que ao reconhecerem o antigo lar, refazem as suas paredes juntando ramos e lama deixado ao acaso pelos dias de mau génio.