29/12/2007

O madeiro

No Fundão, alguns dias antes do Natal, um tractor levava grossos troncos de árvore e outra lenha mais miúda, para o largo da Igreja, onde montava uma grande pirâmide em frente da porta principal.
Depois, na noite de Natal, acendiam o "madeiro".
O calor da fogueira reunia muitos homens à sua volta, que cantavam canções ao Menino Jesus, desde a hora do jantar até à meia-noite, quando começava a Missa do Galo.
O frio intenso dessas noites, conhecidas como as do caramelo, por se formar gelo sobre tudo o que esteja ao relento, fazia com que enrolassem agasalhos ao pescoço e esfregassem as mãos depois de as aquecer nas chamas coradas que subiam e se escapavam pelos intervalos dos troncos.
Era a sala de visitas da grande família, que festejava a noite de Natal no Fundão.
Havia sempre protestos de quem habitava nas casas mais antigas em frente da Igreja, pois temiam que as fagulhas que subiam ao céu com a força do vento gelado, deitasse fogo aos sobrados podres e desprotegidos.
Mas nunca deixaram de fazer "a fogueira do Menino Jesus" e nunca ardeu nenhuma casa.
Este ano a fogueira foi pequena, apenas simbólica e por isso não houve canções ao "Meu Menino tão Belo, que logo foste nascer na noite do caramelo".
A Igreja foi restaurada e pintada e o Pároco não quis as paredes enfarruscadas com os fumos do "Madeiro".
Quem sabe se no próximo ano não colocam um artefacto eléctrico no meio do largo, que imite as chamas e substitua o calor, evitando a canseira de transportar os troncos, a paciência para os atiçar e o cuidado para não ficarem braseiros esquecidos nos dias seguintes?
É que agora substitui-se tudo por algo mais cómodo, embora a fingir.
O pinheiro já é de plástico, o gelo que se forma nas madrugadas gélidas é de esferovite, o musgo do presépio é de serradura e o Menino Jesus, dantes em louça fina cuidadosamente pintada, agora é de material sintético, lavável e inquebrável... tudo para ser reutilizável ano após ano.
E tudo o que tornava aquela noite tão comovente, se transforma em objectos "made in China"que se podem ver expostos aos milhares nas lojas dos 300 ou nos chineses que proliferam por todas as terras, mesmo as que não têm posto médico, ou viram fechar as escolas, ou só abrem as portas da Igreja nos dias de festa.
Portugal moderniza-se e perde a identidade. Os jovens do Fundão festejam o Natal mandando emails aos amigos, frente ao computador silencioso que lhes faz companhia serão dentro.
Não conhecem o perfume das ramadas de eucalipto a arder, o som do pinheiro a crepitar e o calor da lenha de oliveira, que em grossas brasas incandescentes iluminam a noite com volteios de cor intensa, como que dançando ao som das canções de embalar sussurradas para adormecer o Deus Menino.

28/12/2007

Quebrou-se o encanto

Seria desta idade, ou um pouco mais velha, quando ficou pronta a casa da quinta e fomos passar lá a noite de Natal. Tinha 10 anos feitos em Junho e frequentava o 1º ano do liceu.
Depois da Missa do Galo, já cansados de tanta excitação para fazer o presépio e moldar os bonecos da massa das filhós, bebíamos cacau quente e comíamos filhós, fatias douradas e outros doces tradicionais.
Antes de irmos dormir, deixávamos o sapato junto da lareira, para recebermos os presentes do Menino Jesus, que só veríamos pela manhã.
Nesse ano, a minha mãe mostrou-me o casaco de veludo cotelé, azul-escuro, que me iria colocar no sapatinho, convencida que eu já não acreditava na magia de um presente caído do céu.
Eu fiquei triste e desiludida.
Não tenho a certeza se acreditava mesmo que era o Menino que nos trazia os presentes, mas o desfazer definitivo daquele encantamento fazia-me sentir que o Natal nunca mais seria o mesmo.
Enquanto todos entravam na encenação da noite de Natal, era como se qualquer dúvida não tivesse razão de ser, como se se diluísse entre os odores da cozinha e as cores dos enfeites. A partir daquele momento, o sonho deixava de valer a pena. Levantara-se o véu e tudo era banal e conhecido, sem brilho e sem magia.
Ainda hoje só me entusiasma festejar o aniversário de Jesus de Nazaré, tal como o do meu filho Frederico, nascido poucos minutos depois da meia noite do dia 25 de Dezembro.
O saco vindo da modista, que a minha mãe abriu e donde tirou o casaco que eu esperava, trouxe também a sensação de que deixara de ser criança e entrava para o mundo dos mais velhos que não se mostrava nada sedutor.

09/12/2007

Casaquinho cintado...

O meu tio era muito vaidoso.
Era bonito e elegante, pelo que alguém o convenceu que era um "astro". Fazia ginástica em casa para desenvolver os músculos e penteava-se constantemente com todo o cuidado para estar sempre alinhado.
Era simpático e cativava quem chegava. Nem sempre agia da mesma forma com os de casa, mas como já está onde se prestam contas, isso agora não vem ao caso.
Como a minha tia era a única irmã, ainda viva, da minha mãe, juntávamo-nos nas datas festivas, como o Natal ou a Páscoa.
Naquele ano, a noite de Natal calhou ser na casa da minha tia.
Jantámos e ficámos por ali a ajudar a fritar as filhós e as fatias douradas, a pôr a mesa, a dar os últimos retoques no presépio.
Agora não é preciso essa desculpa para comprarmos trapos e mais trapos, mas nessa altura era costume vestirmos roupa nova nos dias de Festa.
A minha tia tinha mandado fazer um fato saia casaco para estrear no dia de Natal e colocara-o nas costas da cadeira no quarto.
Na hora da Missa do Galo fomos todos para a Igreja.
Muito frio e muito sono... era o que eu sentia durante a Missa. Arrefeciam-me os pés e o sono teimava em fechar-me os olhos, cabeceando de vez em vez.
A saída tão esperada lá nos acordava e a ceia era mais animada.
Eu, os meus dois irmãos e os meus quatro primos, todos de idades próximas, fazíamos barulho a tagarelar e a rir por qualquer coisa.
A certa altura, a minha tia olhou para o meu tio e perguntou: "Que estás a fazer com o meu casaco vestido?"
Olhámos todos e lá estava o meu tio com o casaco novo do fato saia casaco.
Como era da mesma cor, na hora de ir para a Missa, vestira-o sem reparar que não era o dele.
-"Por isso é que eu me senti tão apertado durante toda a noite!"
Nós riamos e o tio barafustava zangado, só de pensar na hipótese de alguém ter notado o feitio cintado do casaquinho de senhora que usara na Missa do Galo!

02/12/2007

Lua de mel

Esta escapou...
A minha mãe não aplicou a tesoura nesta. Até fico admirada!
A tia Fernanda, está vestida com um fato saia casaco muito elegante.
O tio Hermínio lê o jornal, quadro que me habituei a ver durante anos e anos.
A Amélia devia ter ao colo o Tó-nô... Como era gordo e pesado, a Amélia tinha sempre aquele esforço estampado no rosto.
Não consigo explicar quem é a quarta senhora, sentada ao meio, sobressaindo na coluna branca.
Acho que este passeio a Tomar, foi perto do casamento dos meus tios.
Penso que foi mesmo durante a sua lua de mel.
Se estou certa, gostava de saber que estava tanta gente a fazer com os noivos?

A censura da tesoura!

Mesmo de férias e na praia, como única filha, eu tinha de estar sempre vestida e penteada a rigor. Só o boné destoa!
E tinha fama de mau feitio... pudera, abusavam da minha paciência.
Por isto tudo compreendo agora porque gosto tanto de andar de jeans e t-shirt!
O Tó-nô lá conseguiu escapar, mas o Manel está mesmo com caraça!
E o rosto recortado!!! A minha mãe fazia isto a quase todas as fotos. Quando achava que não ficava favorecida, cortava a cara com uma tesoura e pronto...
Já são poucas as fotografias daquele tempo e as poucas que encontro, ainda estão assim!
Ah! Um último reparo... a camisa de flores! Que chique!!! Seria por causa dela que o Manel estava de trombinha? É que naquela altura, era pouco frequente verem-se camisas havaianas nos "machos". Que pena não se ver a cor... seria cor de rosa?