25/01/2009

A neve.

Quando cheguei perto de Alpedrinha, começou a nevar.
Os farrapinhos, brancos e muito leves, dançavam em frente da luz dos faróis e colavam-se no pára-brisas. Dentro do carro estava quente e o rádio transmitia uma música que me fazia companhia e me ajudava a percorrer os últimos quilómetros. Imaginava o frio lá fora.

Lembrei-me então dum fim-de-semana em que os meus cunhados, com o filho Rui, ainda recém-nascido, foram connosco ao Fundão. Quando chegámos estava muito frio e o céu era cinza claro.
A lareira estava acesa desde manhã cedo, a primeira coisa que se fazia na casa dos meus pais, mas apesar do calor na sala, notava-se logo a baixa temperatura nas outras divisões da casa. Arrefecera de repente e doíam-me os ossos da cara de cada vez que ia à varanda buscar lenha para a lareira. Quando nos deitámos, a minha mãe foi aquecer-nos os lençóis com uma braseira, pois de tanto frio, pareciam molhados.
O Rui, coitadito, chorava e não dormia. A minha mãe lembrou-se que ele tinha frio, tirou-o da cama, abriu a arca dos cobertores, dobrou em 4 um cobertor muito fofinho e deitou-o no meio, como se metesse uma carta no envelope. Com a arca aberta, no meio dos cobertores de lã, o Rui sossegou e dormiu toda a noite, muito quietinho.
Pela manhã, quando me levantei para ajudar a preparar o pequeno-almoço, olhei pela janela e não contive uma exclamação de surpresa.
Toda a quinta estava coberta de neve. A paisagem a perder de vista era de um branco imaculado. As árvores quase quebravam os ramos com o peso e até os fios da electricidade arqueavam com a carga a que não estavam habituados. Nem uma pegada modificava o tapete que a natureza estendera pelo campo.
Chamei o meu marido e os meus irmãos. Daí a pouco toda a casa estava em alvoroço.
O meu pai avisou que ia tentar chegar ao Fundão para trazer pão fresco.
Saíram todos atrás dele para tirarem fotografias.
Qual não é o meu espanto, quando vejo o pobrezinho do Rui, com pouco mais de um mês de idade, ser colocado num monte de neve para ser fotografado.
E não foi a única foto deste género. Logo que o meu pai voltou e disse ter conseguido transitar no Fundão, quiseram ir e fazer novas fotografias. Mesmo com os meus protestos, o Rui foi deitado numa das escadas do Pelourinho e de novo registada a cena para o futuro!
A neve era sempre uma festa, mesmo para nós que estávamos mais habituados. Os meus cunhados nunca a tinham visto e ficaram entusiasmados.
O Rui sobreviveu.
Com estes pensamentos cheguei ao Fundão.
Toda a noite caiu uma neve fraquinha que apenas deixou um pequeno tapete nos jardins e os passeios muito escorregadios.

24/01/2009

A surpresa

De Castelo Branco a caminho do Fundão, a auto-estrada faz-se rápido e pouco oferece aos olhos de quem viaja sózinho na noite sem luar.
Depois de atravessar o Túnel da Gardunha tudo muda.
O que antes era um vale escuro, apenas com a Covilhã iluminada no sopé da Serra da Estrela, meia dúzia de luzes mais à frente indicando o Tortozendo e depois o Fundão aconchegado na Cova da Beira, agora é um mar de luzes, um presépio montado em todo o vale.
Deus encheu as mãos de luzes e espalhou-as pela Cova da Beira, como lavrador deita o adubo à terra, nas searas acabadas de semear.
Apetece parar e ficar a apreciar aquele momento, em que a nossa terra é protegida pelas duas montanhas e dorme num leito cheio de brilho, como num conto de fadas.

Inverno

Os dias estão maiores!
"Pelo Natal, um pulinho de pardal
Em Janeiro, uma hora por inteiro".
Também estão mais invernosos, mais cinzentos, mais ventosos, mais soturnos.
Mas sabemos que em breve as folhinhas começarão a aparecer tímidas e cautelosas, nos olhos das ramadas, da terra húmida e vazia brotarão orelhitas verdes de plantas, que acordam do descanso habitual no final de cada Verão luxuriante e voltará a Primavera.
Na renovação da natureza, se renova a nossa esperança.
E ao que hoje nos parece tão difícil, a luz do Sol dará outro sentido. As cores ficarão mais vivas e os horizontes mais claros, mais luminosos.
O Inverno faz falta. É um período de repouso, de reflexão, de encorajamento. Sem as agruras dos seus dias chuvosos e gelados, não apreciaríamos o ar morno das tardes soalheiras, o colorido dos campos em flor, o verde viçoso da folhagem renascida da seiva adormecida.
Adoro o Inverno, porque me traz lembranças da minha terra, da minha infância, dos campos brancos de geadas matinais, do calor da lareira com troncos incandescentes e crepitantes, bom de sentir, de cheirar e de ver, do calor que espevita os sentidos, do recolhimento dos campos em que as árvores se despem e os terrenos se cobrem de musgos fofos e de tons fortes e repousantes.
Talvez eu aprecie o Inverno porque sei que é breve e logo dará lugar à época em a Natureza mais brilha. Mas a Serra da Estrela coberta de alvo manto, ou a da Gardunha castanha rosada, nas mil árvores despidas do verde da folhagem, são cenários conhecidos que me tranportam para o que eu sou, para o que amo, para o que eu sempre fui e me fazem esquecer a dureza com que me julgam e me tratam tantas vezes.
Neste dia de Inverno, chegam-me à memória lembranças, como andorinhas na Primavera, que ao reconhecerem o antigo lar, refazem as suas paredes juntando ramos e lama deixado ao acaso pelos dias de mau génio.