16/06/2007

O Balila

Esta foto encanta-me.
Poderão dizer que tenho péssimo gosto, mas as razões estão nos sentimentos e não na estética.
O Fiat Balila, 1º carro do meu pai, é um nome presente na minha memória mais antiga. Não me lembro dele, a não ser de um pequeno degrau onde punha os pés para subir (e nem tenho a certeza se já seria este carro).
Do meu pai, tão jovem, também não me lembro, mas gosto de o ver feliz junto do seu "espada", um dos primeiros exemplares no Fundão, penso eu.
Acho delicioso como as pessoas caminhavam calmamente no meio da estrada, a conversar, sem pressas, sem horários apertados, sem ruído de trânsito, os quintais cheios de plantas, em vez de prédios com marquises enferrujadas e cheias de roupa a secar. Sente-se o silêncio da rua.
Sorrio ao ver a levada de água que vinha da Serra da Gardunha e descia as ruas, porque me lembro das muitas histórias que contavam. Diziam, por exemplo, que as mulheres ao arrumar a casa, todas as manhãs, despejavam nela o "pitó", onde faziam as necessidades durante a noite.
Uma vez, deram ao Zé da Mimila (com 5 ou 6 anos, na altura) uma escova de dentes e ele, muito preocupado com a sua higiéne, foi pôr-se de joelhos à porta de casa, a molhar a escova na água que corria e a esfregar os dentes...
Voltando à foto... Quem a fez, estava tão vaidosa com o carro, como com o condutor...
Tempos de rescaldo duma guerra mundial, com racionamentos, poucos recursos e muita luta.
O início de uma vida de paixões... pela mulher, pelos filhos, pelos carros, pela vitória numa batalha tão dura.
Olho para esta foto e calculo como se sente Deus, sabendo exactamente o caminho que iremos percorrer e em que lugar cortaremos a meta.
É uma mão cheia de sensações.

O bailarico

Já que estou na onda das fotos engraçadas, escolho esta também.
A tia Anita, fizera uma casa em Valverde e lembro-me de ficar lá, de vez em quando, para passar um fim de semana com a minha prima Lurdes.
A casa ainda não tinha electricidade, nem água canalizada. À noite, iamos para a cama com um candeeiro a petróleo, que me encantava tanto pelo feitio, como pela chama regular, como pelas sombras que projectava nas paredes. Na cozinha havia uns potes grandes, em barro, donde se tirava a água para beber e cozinhar. Alguém os enchia, mas esse pormenor, não me despertou a atenção.
Os meus pais devem ter ido passear com o Raul, (amigo que vivia no Brasil e vinha visitar-nos de vez em quando), ou mesmo almoçar a casa da tia Anita. Só não me lembro donde vinha a música para o baile... de um rádio, talvez. E o piso... maravilhoso para dançar a valsa. Eu estava um tanto vexada, ao ser fotografada assim, contra a barriga do amigo do Brasil!!! Ainda hoje, quando estou pouco confortável ou nervosa, me rio ou sorrio "amareladamente".
Da esquerda para a direita - a Amélia e a tia Anita, a Lurdes e o Augusto, os meus pais e o Raul, que tanta curiosidade me despertava, por viver tão longe e falar de uma forma tão engraçada (as telenovelas ainda demorariam a chegar e tornar familiar aquele sotaque).

Um último olhar... fizeram o baile no caminho! Ainda não se temia o trânsito, em Valverde.

A foto

Ir tirar uma fotografia aos filhos, no quintal, trazia algumas preocupações. Primeiro saber regular a "Kodak", o que não era assim tão fácil como se pensa... Depois, arranjar uma parede onde encostar os cachopos, como se o ambiente natural onde eles brincavam, pudesse estragar a foto.
Tinha de haver luz. Muita luz! Piscávamos os olhos, fugindo do sol que nos encandeava até às lágrimas, enquanto se focava e centrava a imagem, tormento que durava largos minutos!!!
Ah! Também se dava valor aos acessórios. A minha boneca, a Pupi, a bola do Manelito e ainda faltou a pastinha do Tonô, largada certamente, na pressa de ser colocado em cima do banco, para dar alguma harmonia à cena.
Eu, de bibe bordado, com a história da carochinha, talvez. O Manelito, com a sua roupinha "au point", como era costume. O mais novinho, parece ter vestidas as calças do mais velho... sem que isso lhe tenha afectado o sorriso.
Os cabelos penteados, claro. As marrafinhas, como se chamava à franja dos rapazes, eram domadas a chicote. Escapei ao tradicional laço no cimo da cabeça, que eu abominava...(era difícil convencerem-me e ainda o sol se punha...)
Por fim, tudo a postos para o "olha o passarinho".
Vê-se bem o meu sapato que não apertei, as biqueiras das botas do Tonô todas esfoladas de andar de joelhos ou a jogar à bola, mais duas pessoas que tinham de ver tudo bem de perto e as sombras inevitáveis. Era como se esses pormenores, de tão somenos, não ficassem no retrato!
Eu baixei a cara, pura e simplesmente. Os meus irmãos mostraram ser homens e ainda aguentaram de cabeça erguida, embora um tanto de esguelha, a espera do clic tão almejado...
E pronto, só faltava ir ao fotógrafo para revelar!