29/05/2010

Despedida

Partiu para sempre a D. Lourdes, senhora que eu estimava muito.
Era um elo vivo à minha infância, às brincadeiras do recreio da escola.
Foi um olhar vigilante nos 4 anos em que aprendi as letras, as contas e outras artes.
Sempre que vinha ao Fundão e a encontrava, enchia a minha alma de doces lembranças.
Estava doente, mas tinha uma força fora do comum. Recusava-se a uma queixa ou a um "não consigo". Lutava contra tudo o que a tentasse derrubar.
Na última vez que a vi, estava triste. Chorou quando a abracei.
A incapacidade de permanecer só na sua casinha, obrigara o filho a optar pelo lar de idosos para não lhe faltarem todos os cuidados. Mas ela não estava resignada.
Estava doente, mas muito triste. Cortou-me o coração vê-la assim.
Penso na sua figura esguia e alta, no primeiro dia que a Amélia me foi levar à escola.
No dia 7 de Outubro de cada ano, salvo sábado ou domingo, a escola abria e quem tivesse completado 7 anos, lá ia aprender as ferramentas da vida.
A D. Lourdes, ali estava todos os anos, para receber as crianças.
Gostava de poder lembrá-la sempre com a desenvoltura daqueles tempos, mas a imagem que tenho mais presente, neste momento, é a que vi no último encontro, em que sentada na mesa da pastelaria, recebia os meus afagos com os olhos rasos de lágrimas, numa fragilidade comovente, numa tristeza infinda.
Mas sabia que morava no coração de todas as crianças, que durante várias décadas acompanhou na escola do Fundão.
Sabia bem que eu a estimava muito.
Obrigada. Até um dia!

08/01/2010

Mulheres de preto

No Fundão quando faz frio, é mesmo frio, de cortar a pele e enregelar os ossos.

Lembro-me de ver, quando era pequena, as mulheres das quintas virem à Missa bem cedo, para fazerem depois todos os trabalhos do campo, ou as das aldeias à volta do Fundão virem às compras ao mercado, com os xailes grossos de fazenda de lã pelos ombros e bem apertados com as mãos junto ao peito.

As mulheres não usavam casacos compridos ou agasalhos desse género. Usavam um lenço de lã mais fininha (merino) na cabeça, atado por baixo do queixo e o xaile que colocado em cima do lenço, lhe segurava a ponta e ajudava a resguardar do frio.

Quando o frio era demais ou o agasalho de menos, as mulheres punham o xaile pela cabeça e fechavam-no junto ao nariz.

Há dias, com muito frio e de portas abertas em casa, para entrada e saída de técnicos que vieram consertar os electrodomésticos avariados pelo temporal, senti frio e fui buscar uma pequena manta que tenho junto do sofá, para colocar sobre os ombros.

Foi então que me lembrei das mulheres tão sacrificadas e trabalhadoras da minha terra e coloquei a manta pela cabeça, traçando-a no peito por baixo do queixo, como elas faziam.

É mesmo bom, confortável e quentinho.

As mulheres de preto, que o poeta Eugénio de Andrade homenageou num dos seus poemas, tão fora do que é chique, do que é moda, do que parece bem ou mal, deviam sentir aquela sensação de aconchego, que eu senti.
Gostava de ter um desses xailes.
Mas hoje as mulheres da minha terra já não usam xaile e lenço.

Nota: Imagem muito bela encontrada na net.
Mulheres de preto
Há muito que são velhas vestidas
de preto até à alma.
Contra o muro
defendem-se do sol de pedra;
ao lume
furtam-se ao frio do mundo.
Ainda têm nome? Ninguém
pergunta, ninguém responde.
A língua, pedra também.
Eugénio de Andrade