02/02/2008

A avenida

A nossa casa era na rua paralela à avenida, no lado direito na foto.
Neste terreno baldio nasceu a avenida, que hoje enormes Tílias enfeitam de verde escuro da folhagem e de pequenas flores brancas de perfume suave. Altos edificios emolduram-na, escondendo a Serra da Gardunha.
O meu pai contava que Duarte Pacheco, então engenheiro e mais tarde ministro das obras públicas, queria rasgar esta avenida da estação de caminhos de ferro até ao Largo da Srª da Conceição, dando uma coluna vertebral ao novo Fundão. Outra avenida sairia da estação até ao Espírito Santo, junto da Estalagem da Neve e ainda outra uniria estas duas ao cima da cidade, criando um triângulo à volta do centro antigo.
Assim, a avenida sairia da estação e seria cortada a direito, passando pela rua onde nós viviamos e indo até à Srª da Conceição.
Mas o projecto não passou disso, porque os terrenos pertenciam ao proprietário desta empresa de camionagem, em primeiro plano na foto, que se opôs porque isso faria recuar bastante a frente da empresa de camionagem já planeada.
Por isso a avenida começou praticamente na empresa das "camionetas" e terminou, logo a seguir, junto ao edifício da Câmara Municipal. Aí dá lugar R. dos Três Lagares, que vai em curvas de serpente adormecida até à Capela da Srª da Conceição. Muitos prédios nasceram e ligam a Aldeia de Joanes ao Fundão de forma desordenada e sem valorizar a beleza que a Cova da Beira oferece naquela encosta da Gardunha. Ideias curtas e... interesses! (doença que se tornou crónica).
Lembro-me de um pormenor do mercado nestes terrenos - uma idosa a apanhar algum feijões que ficaram caídos junto das bancas dos vendedores. Usava umas roupas escuras e compridas, arrastando-as pelo chão, conforme avançava dobrada, a catar na terra os pequenos grãos deixados para trás pelos tendeiros. Também recordo o som esganiçado que se ouvia ao longe, num rádio de fraca fidelidade a transmitir o relato do futebol, nas tardes de domingo.
A meio desta avenida construiram o Externato de Santo António, onde a nossa adolescência despontava e amadurecia, preparando-se para a Universidade e o voo do ninho.
O cinema sobressai ao cimo, ainda com algum brilho. A seguir o Café Cine, onde nasceram os primeiros amores, onde se escreveram os primeiros poemas, rituais repetidos por várias gerações.
Esse Fundão é lembrado por muitos de nós, que vivemos longe, com a memória do coração.

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