11/02/2008

As meias da Ti Maria

No Verão em que passei para o 7º ano do Liceu, tinha um grupo de amigos no Souto da Casa, uma aldeia muito bonita, na encosta norte da Serra da Gardunha, a meia dúzia de km do Fundão.
Da aldeia vê-se toda a Cova da Beira, com a Serra da Estrela como moldura.
Como o nome diz, nas encostas estão alinhados como soldados, exércitos de castanheiros, formando soutos magestosos, que no Inverno têm múltiplos tons de amarelo, mostarda, tijolo e rubro, no Verão perdominando os verdes e no Outono se enchem de ouriços prenhes de frutos castanhos, cor da terra que lhes deu o ser.
O castanheiro sempre foi a minha árvore preferida, pela sua forma, pelas suas cores, pelo formato dos seus frutos, pela sua força.
O Souto da casa, por essa razão também, me encantou sempre e me deixou boas recordações.
É aí que vive a minha amiga Libéria, a casa de quem ia com frequência. É um palacete no centro da aldeia, numa rua com o nome do avô dela.
Ela era filha única e estudava em regime interno, num colégio de freiras em Castelo Branco. Nas férias pedia-me para ir passar lá uns dias, pois sabia que eu revolucionava toda a aldeia num abrir e fechar de olhos.
No grupo estavam os estudantes do Souto da Casa, meus colegas no Colégio do Fundão.
Os passeios à Pedra d´Hera, no cimo da Gardunha, a festa do Senhor da Saúde, as festanças em casa do Mário e do Tonito, as graçolas do Aníbal e do Virgílio... há muito tempo que não me lembrava deste período tão alegre da minha vida.
Foi lá que ouvi uma história a que achava muita graça.
Uma mulher muito pobre, como quase toda a população da Beira, nessa época, trabalhava no campo de sol a sol e regressava à tardinha a casa, em cima do seu burro, que a ajudava a carregar a lenha para o lume.
As mulheres, nessa altura, não saíam à rua sem meias, "com as pernas à mostra", como diziam. Usavam meias grossas, feitas de "fio da Escócia", que poupavam, por serem muito caras para usarem na lida do campo, onde se prendiam e rasgavam nas silvas.
Nesse dia, vinha ela sentada no burro, com os pés nus e a saia só pela barriga das pernas, quando passou em frente da taberna, onde estavam os homens a gozar a fresca do fim da tarde.
Cansada, balouçava sonâmbula a cada passo pesado do jumento.
Um dos homens gritou:- Eh Ti Maria, essas meias é que são boas, não se rompem!
Ela respondeu, sem se desconcertar:- Está vomecê muito enganado. Tenho uma camisa do mesmo pano e já tem um buraco ao fundo das costas.

1 comentário:

nuno medon disse...

Adoro castanhaS!!!! Quem me dera ter aqui no jardim um ou dois castanheiros....lol! ***