A boleia
O caminho da quinta era feito
várias vezes, diariamente, desde que naquele Natal tinhamos ido para lá viver.
Frequentávamos, eu e os meus
irmãos, o colégio no Fundão e o meu pai encarregava-se de nos trazer para as
aulas.
No trajecto obrigatório
encontrávamos muitas crianças que iam a pé para a escola, estivesse calor ou
frio de rachar.
Um ou outro mais pequenino dava a
mão ao mais velho, que levava o saco com os livros e a merenda, a alsa
atravessada no peito franzino, caminhando junto à berma.
Todos sabiam que se o meu pai
passasse naquele momento, cabia sempre mais um.
Enquanto caminhavam, iam
espreitando tímidos, os olhos a brilhar, sorriso rasgado, mas sem coragem para
pedir. Quando o carro parava e nós abriamos a porta, a cachopada lá se ia
encaixando, encavalitados uns nos outros, a rir, sempre a rir, apesar de encharcados
ou enregelados, contentes de poder “ir a cavalo”, como eles diziam.
Entre elas, vinha muitas vezes a
filha do rendeiro da quinta nossa vizinha, uma miúda ruiva, de pele branca e
sardenta, de olhos grandes e muito vivos.
(O dono era o Dr Fausto, médico na Covilhã e a
esposa, uma senhora muito elegante, de cabelo loiro, um pouco misteriosa para
mim, já que raramente a via)
O meu pai gostava de a arreliar
só para ouvir as respostas que ela tinha sempre na ponta da língua e que dava
com sorrisos envergonhados.
Naquele dia o meu pai brincou com
o seu cabelo ruivo:
-Então cachopa, a quem é que tu sais
com essa cor de cabelo?
Ela riu e desenvolta respondeu:
- À minha patroa.
As gargalhadas do meu pai
encheram o carro e todos rimos sem sabermos bem a que é que achara graça, se ao
geito divertido da miúda, se à sua resposta.
Os 2 Kms eram feitos por aquelas
crianças que viviam nas quintas, a pé, anos a fio, sem queixumes (as escolas
não tinham aquecimento e se as crianças chegavam molhadas, assim ficavam das 9
da manhã às 3 da tarde) e sendo felizes com coisas tão pequenas como era aquela
boleia.
Já no colégio, lembro os meus
amigos das Donas, do Casal, do Souto da Casa, da Aldeia de Joanes e outras
aldeias perto do Fundão, que eu via, com alguma inveja, meterem-se à estrada e
voltarem a pé para suas casas, em grupos que enchiam a estrada de risadas e de
brincadeiras, no fim do dia de aulas.
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