As minhas recordações da
infância e adolescência passam obrigatoriamente pela presença dos meus pais, da
quinta, dos carros e dos meus irmãos.
O meu irmão mais velho
interessava-se já por outras coisas e afastava-se das minhas brincadeiras.
A presença do mais novo, no
entanto, era constante.
Passávamos horas a desenhar em
folhas de papel que colocávamos no centro da minha cama, de forma a ficarem
acessíveis aos dois, cada um de seu lado, de joelhos no tapete.
Eu desenhava a lápis os carrinhos
do Tonô, carrinhos de modelos que ele adorava e eu reproduzia em desenho à
vista.
Também os cowboys, os cavalos e
as pistolas eram dos nossos escolhidos para reproduzir a carvão, em pormenores
que só as crianças sabem valorizar. Viamos então o "Bonanza" e o
"Robin dos Bosques" ainda a preto e branco.
Outra das nossas preferências
era a música.
O meu irmão levantava-se muito
cedo, começando logo a cantar e a tocar bateria em tudo o que fizesse barulho,
de caixas a panelas, para grande desespero da nossa mãe, que o
"despachava" para o quarto do fundo na tentativa de descansar, ou
pelo menos baixar o som àquele festival diário.
E eu, que nada sabia de música,
lá estava presente na escolha do nome do seu "conjunto", no desenho
do guarda roupa para os seus espectáculos e como motorista da rapaziada, já que
o meu pai me emancipara para poder dar-me a carta de condução e me emprestava o
carro, sempre que lhe pedia. Faziamos grupo com os Freires, o Sr Leitão, o
Albino e outros com a mesma paixão. Ouviamos o Elvis, os Beatles e os Rolling
Stones.
O meu jeito para desenho, não
sei onde se meteu.
Nunca cheguei a aprender
música, embora tenha alguma sensibilidade para o que é bom (como quase toda a
gente), não tendo passado de parte integrante do público.
Mas o mais importante ficou e
fez-me companhia em todos os momentos da minha vida, dos mais dolorosos aos
mais alegres.
Não sei imaginar a minha vida
sem ele, nem como seriam essas recordações sem as nossas risadas.