18/11/2008

Ter a Natureza como ama

Quando penso na infância que eu e os meus irmãos tivemos, acho sempre que foi uma sorte termos nascido numa pequena vila do interior de Portugal.
As pessoas que falam com ar trocista de quem vive nas aldeias das Beiras, quando lhes reconhecem um sotaque de xs arrastados, não sabem como essa característica não os desmerece, mas antes os destaca de imediato como previlegiados.
Ainda hoje pude confirmar isso num curso que fiz e onde estavam colegas da Guarda, Beira Alta.
Quando intervinham nas matérias que estavamos a debater, havia sorrisos em alguns outros, mais citadinos, que reparavam nos seus zs em vez de ss.
A forma de dizer certas palavras, varia de zona para zona e não é novidade para ninguém como é diferente no Porto e em Lisboa, em Faro e em Évora, em Castelo Branco e em Viseu.
Em Faro e em todo o Algarve, as palavras terminadas em o, passam a terminar em e. "Fui buscar um pane para limpar o sapate do moçe".
No Porto diz-se "Estive a ver televisõe todo o serõe" e em Lisboa dizem "Vou à pisxina".
"Cada roca com seu fuso e cada terra com seu uso", diz o povo.
Foi então que a certa altura, os colegas da Guarda quiseram mostrar umas fotos duma iniciativa que levaram a cabo no serviço. Era um passeio em bicicleta com crianças e funcionários de todas as idades.
Via-se a Serra da Estrela magestosa nos seus vales e encostas, com um véu ténue de nuvens, ora mostrando, ora escondendo os verdes de tons escuros, o imenso céu que nesse dia até estava mais cinzento que azul, mas mesmo assim muito bonito, as árvores por aqui e por ali, num ambiente de ar puro, de sossego e de partilha com a Natureza, que o passeio de bicicleta proporcionava.
O barulho dos camiões, dos carros, das buzinas, o fumo dos escapes, a correria das pessoas e a indiferença para o que se passa à sua volta, a sujidade dos passeios, o mau cheiro que sai das portas entreabertas dos edifícios antigos, as paredes que os olhos se habituam a ver como limite tão curto do seu horizonte, não é a realidade que aquelas crianças conhecem e que só vivem como novidade numa visita com os pais às cidades grandes.
Passear a pé ou de bicicleta, sentar no muro e olhar lá para longe, até todos os contornos de casas e de aldeias desaparecerem como minúsculos pontinhos, sentir o frio na cara e nas mãos, o odor dos pinheiros e dos eucaliptos, ouvir o ar entrar e sair do peito, porque não há outro barulho a incomodar, enfim, as sensações que eu conheci durante toda a minha infância e adolescência, é um privilégio. A nossa terra, a nossa casa, a nossa família, os nossos amigos e os nossos costumes estão presentes e acompanham-nos no crescimento, sem darmos por isso.
Quantas vezes, depois de estar já há algum tempo em Lisboa, me apeteceu ter força para conseguir empurrar os prédios, fazer calar por segundos o trânsito e as pessoas, poder olhar para longe sem que o meu olhar fosse atroplelado logo a um palmo do nariz.
Brincar no quintal, no jardim, na terra, no ribeiro, correr, molhar-me a regar as flores, sentar-me na escada da rua a vestir as bonecas, dormitar em cima da cama com o sol a aquecer-me os pés e apenas ouvir de vez em quando o zumbir de algum insecto no seu vai vem atarefado, era o dia a dia que eu sentia acarinhar-me, como ama cuidadosa.
Ir buscar os ovos ao galinheiro, comer a canja ao almoço de domingo, grelhar a carne nas brasas formadas na lareira acesa desde cedo, tudo com um sabor próprio, sem selos de metal ou carimbos do supermercado.
Lembro a maçã bravo esmolfe que perfumava a sala, a uva vermelha de bago rijo, que aguardaria pelo Natal para ser colhida do prego, onde fora pendurada para se conservar.
Todos os perfumes, sabores e texturas tão conhecidos e apreciados, ajudaram-me a ser quem me reconheço.
Esqueci os filmes que vi no balcão do velho cinema, mas não esqueci a emoção de entrar e ir olhando os cartazes com os ídolos que eu admirava.
Esqueci os pormenores, mas o essencial ficou, grudado à pele, circulando nas veias, enchendo as minhas lembranças.
Que pena tenho de ver os meus netos crescer na cidade e não aproveitarem mais este ar da Serra, o silêncio das noites, os pássaros no quintal e as borboletas nas flores.
Como amei sempre o meu lugar e como continuam lá as minhas raízes!

1 comentário:

nuno medon disse...

Olá! Viver no campo é do melhor que existe e a liberdade de andar á vontade, nem que seja num campo médio não tem preço. Eu consolava-me tanto na casa dos meus Falecidos Avós. Ia apanhar fruta, para levar aos meus tios avós e para outras pessoas, disparava tiros ás latas, dava comida ás galinhas. O campo é saudável e não tem comparação com as grandes cidades. beijos