01/01/2008

Trastes para a rua.

Vivi já noites de passagem de ano de todas as maneiras e feitios... infelizmente, pois é sinal que já festejei mais do que tenho para festejar.
Lembro-me de um ano na Idanha-a-Nova, na casa da Tia Fernanda, quando ainda era pequena.
Fui lá passar as férias do Natal e à meia noite a minha tia cumpriu com a tradição daquela terra arraiana, ou seja, deitar pela janela fora todos os objectos usados que não gostasse.
Procurámos tachos amolgados, pratos com pequenas falhas, canecas, frigideiras, tudo o que por ali andasse já pouco apresentável.
Carregámos montes de tralha para perto das janelas do último andar da casa e esperámos com impaciência pelas 12 badaladas.
O frenesim dos meus primos espantava-me, pois eu pensava que iriamos atirar aquelas coisas todas pela janela, que desapareceriam no escuro da noite e pronto, estaria cumprido o ritual.
A minha tia vivia no centro da Idanha, onde as casas são antigas, a iluminação fraca e o movimento nas ruelas praticamente nulo.
Na noite de passagem de ano, com frio, tudo estava silencioso e escuro, nada de emocionante se antevendo.
Quando começaram a soar as badaladas da meia noite, ouviu-se uma gritaria ensurdecedora vinda de todas as janelas, seguida de bater de latas e tachos, de atirar coisas que se partiam no chão com estrondo e embatiam nas paredes de pedra como bombas, sucedendo sempre a um ruído grande, outro ainda maior.
Mas era uma gritaria alegre, entusiasmada, contagiante, que me fazia rir e saltar de emoção, uma barulheira infernal que durou enquanto duraram os tarecos que viram o seu fim nas ruas e quintais da Idanha.
Por fim, a pouco e pouco a noite voltou a ficar quieta e silenciosa como antes .
Atiraram-se fora os trastes velhos e pouco decorativos, para começar o ano com a casa e a alma mais livres para as coisas novas.

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