22/04/2007

Outros tempos...

O caminho-de-ferro estava pronto e a estação do Fundão engalanada para recber o Rei D. Carlos.
Todas as famílias convidadas para a inauguração, andavam numa lufa lufa para se apresentarem condignamente na presença do Rei.
Empenhados em que os seus clientes estivessem à altura do acontecimento, os costureiros de chapéus deram asas à imaginação, as modistas afundavam-se em rendas e folhos e os alfaiates aprimoravam-se nas casacas de corte inglês.
Os sapatos e as botinas, novinhas em folha, tinham que condizer com a fatiota.
Não ficaram esquecidos os botões de punho de madrepérola, os lenços de seda para as gravatas dos cavalheiros, os cordões e medalhas de ouro para as senhoras, os leques para realçar a fragilidade feminina, os laços e saiotes engomados para as crianças.
A banda ensaiou até à exaustão e preocupou-se o maestro de tal forma, que a insónia passou a ser a sua companheira nos serões.
Prepararam-se os discursos em que se elogiava o progresso acabado de chegar à Vila do Fundão, pela mão de Sua Majestade El Rei D. Carlos. Treinava-se a respectiva vénia.
O dia marcado chegou num foguete!
As senhoras, com saias embaloadas, caminhavam pelo braço dos maridos, todos empertigados nos colarinhos duros de goma, levando as crianças pela mão a quem, com olhos reprovadores, chamavam a atenção quando davam pontapés nas pedras do caminho. Além de se empoeirarem, estragavam os sapatos de verniz.
Havia flores, bandeiras de papel, música, sorrisos, cumprimentos e muitos baixar cerimonioso de cabeça, mesmo para aqueles com quem se convivia todos os dias. A ocasião pedia protocolo!
O comboio parava em cada estação e Sua Majestade, El Rei D. Carlos, procedia à inauguração respectiva entre aplausos, discursos e fanfarra.
Mas a cerimónia não agradou à maioria dos presentes... e não eram republicanos.
Sua Majestade apressara o acto e nem dera tempo à leitura de todos os discursos, aos cumprimentos e vénias tão ensaiados, sequer à marcha completa que a banda já conseguia tocar com pouquíssimas fífias. Quem foi convidado para viajar nas carruagens que seguiam a do Rei, teve de entrar sem compostura, as damas içadas pelos braços de cavalheiros desconhecidos, levantando demasiado as saias e saiotes para poderem subir aqueles degraus altos e estreitos, num despachar que tirava todo o requinte à cerimónia.
Uns queixavam-se de mal terem visto o rei, outros, de não terem visto nada.
Apesar de se sentirem abafar dentro dos fatos e de ser um tormento o colarinho a roçar na maçã-de-Adão, o pior era não terem agora, que o comboio já partia com destino à próxima estação, onde ir para se mostrarem e continuarem a imaginar-se na Corte.
Festa, festa... foi a sua preparação.

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