08/01/2010

Mulheres de preto

No Fundão quando faz frio, é mesmo frio, de cortar a pele e enregelar os ossos.

Lembro-me de ver, quando era pequena, as mulheres das quintas virem à Missa bem cedo, para fazerem depois todos os trabalhos do campo, ou as das aldeias à volta do Fundão virem às compras ao mercado, com os xailes grossos de fazenda de lã pelos ombros e bem apertados com as mãos junto ao peito.

As mulheres não usavam casacos compridos ou agasalhos desse género. Usavam um lenço de lã mais fininha (merino) na cabeça, atado por baixo do queixo e o xaile que colocado em cima do lenço, lhe segurava a ponta e ajudava a resguardar do frio.

Quando o frio era demais ou o agasalho de menos, as mulheres punham o xaile pela cabeça e fechavam-no junto ao nariz.

Há dias, com muito frio e de portas abertas em casa, para entrada e saída de técnicos que vieram consertar os electrodomésticos avariados pelo temporal, senti frio e fui buscar uma pequena manta que tenho junto do sofá, para colocar sobre os ombros.

Foi então que me lembrei das mulheres tão sacrificadas e trabalhadoras da minha terra e coloquei a manta pela cabeça, traçando-a no peito por baixo do queixo, como elas faziam.

É mesmo bom, confortável e quentinho.

As mulheres de preto, que o poeta Eugénio de Andrade homenageou num dos seus poemas, tão fora do que é chique, do que é moda, do que parece bem ou mal, deviam sentir aquela sensação de aconchego, que eu senti.
Gostava de ter um desses xailes.
Mas hoje as mulheres da minha terra já não usam xaile e lenço.

Nota: Imagem muito bela encontrada na net.
Mulheres de preto
Há muito que são velhas vestidas
de preto até à alma.
Contra o muro
defendem-se do sol de pedra;
ao lume
furtam-se ao frio do mundo.
Ainda têm nome? Ninguém
pergunta, ninguém responde.
A língua, pedra também.
Eugénio de Andrade

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