26/02/2007

chico buarque


25/02/2007

sobrevivência e felicidade


Agora que os nossos filhos são crescidos, podemos contar-lhes…

Na época em que nascemos e crescemos, os carros não tinham cinto de segurança, nem apoio de cabeça, nem airbags. No banco de trás era a festa – era "divertido" e ninguém pensava que fosse "perigoso".

As barras das camas e os brinquedos eram multicolores, ou pelo menos envernizadas, e com tintas contendo chumbo ou outros produtos tóxicos.

Não havia protecção infantil em tomadas eléctricas, portas das viaturas, medicamentos ou produtos químicos de limpeza.

Podia-se andar de bicicleta sem capacete.

Fazíamos carros com caixas de sabão – e aqueles que tinham a sorte de ter uma rua asfaltada inclinada junto de casa podiam tentar bater o record de velocidade… e aperceberem-se, tarde demais, que os travões tinham sido esquecidos... e sorrir com o riso dos que olhavam as escoriações resultantes do acidente!

Bebia-se água de um chafariz, da mangueira de rega, ou não importava de que qualquer outra fonte – sem que fosse água mineral saida de uma garrafa estéril.

Tinhamos o direito a brincar na rua, com uma única condição: estar de volta antes de anoitecer.

E não havia GSM… e ninguém sabia onde estavamos nem o que faziamos...!

A escola fechava ao meio-dia para almoço – podiamos ir comer a casa.


Arranjavámos feridas e fracturas – às vezes partíamos os dentes – mas ninguém era levado a tribunal por isso. Mesmo quando havia grande desordem, ninguém era culpado – excepto nós mesmos.

Podíamos comer toneladas de doces, devorar torradas com montanhas de manteiga e beber bebidas com açucar de verdade – mas ninguém sofria de excesso de peso.
Podiamos partilhar uma limonada pela mesma garrafa, sem receio de contágio.

Não tinhamos Playstation, Nintendo 64, X-Box ou jogos video. Nem computador, nem chat na internet –
tinhamos... amigos.

Podiamos sair, a pé ou de bicicleta, para ir a casa de um colega (mesmo se ele morasse a vários quilómetros), bater à porta ou simplemente entrar em casa dele e sair para brincarmos juntos.
Na rua, sim, na rua! Sem vigilancia!

Jogávamos futebol com uma só baliza – e se um de nós não era seleccionado uma vez, não havia traumas psíquicos (nem sabíamos o que isso era).

Por vezes um aluno, talvez um pouco menos atento que os outros, tinha que repetir. Ninguém era enviado ao psicólogo ou ao pedopsiquiatra; ninguém era disléxico, hiperactivo ou portador de "problemas de concentração"; o ano era repetido… e pronto! – cada um tinha as mesmas oportunidades que os outros.

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Não criavam para nós programas, nem subsídios, nem apoios, nem cartões privilegiados. E nós orgulhávamo-nos de virarmos o mundo do avesso com a nossa própria criatividade – e com as liberdades que NÓS PRÓPRIOS conquistávamos.

E tínhamos essas liberdades. E deveres. E sucesso.

E aprendíamos a viver e a conviver com tudo isso.

Os nossos filhos lerão hoje isto – alguns deles até ao fim – com uma interrogação: Como conseguiram os pais sobreviver?

E nós contamo-lo com outra: Como hão-de os nossos filhos ser felizes?

24/02/2007

hetero-abertura


O tempo. Porquê o tempo, que Dali "retratou" num óleo imortal?.
Porque o tempo parece ser, para já, a palavra-chave da abertura deste diário.
Porque é o tempo vivido por cada pessoa individual e singular aquilo que fica duma existência humana, como testemunho e como legado.
Porque é o tempo que dá experiência, maturidade, senso - e, porque não, sabedoria - para se questionar, pensar e concluir tudo aquilo que, embora talvez visto por outros, cada par de olhos, identificado e personalizado, tem para dar a ver aos outros - aos outros no espaço, que são o outrem, e aos outros no tempo, que são o vindouro. O que se viu e não deve deixar de dar-se a ver.
Porque é o tempo que constitui aquele tesouro diferenciador dos indivíduos de cada espécie - o tempo que uns gastam e outros aproveitam, o tempo que a uns desgasta e a outros enriquece, o tempo que para uns é ócio e para outros dádiva.
Porque é o tempo aquilo por que se luta muitas vezes - pelo tempo que os outros perderam, pelo que contam, pelo tempo que não podem voltar a perder, pelo tempo que têm de aprender a não perder de novo, pelo tempo que esperam ou receiam, pelo que no tempo deles preocupa o nosso tempo, quantas vezes em tempo inteiro.
Porque é o tempo, afinal, o que mais merecemos usufruir valorizando, valorizar usufruindo.
E é isto: esta abertura, por ser uma simples hetero-abertura, é um convite e um pedido - o de nos dispensares as sobras do teu tempo, dando-nos a essência do tempo que foi e é o teu.
Boas prosas!